A chance de se locomover por terra sem tração animal, trilhos, criados, nem mesmo ter que caminhar. Apenas homem e máquina. Esse era o maior sonho do alemão Karl Friedrich Benz. Um sonho que finalmente se tornou realidade em 1886 com o Benz Patent-Motorwagen, para revolucionar o mundo a partir do século XX e ainda dar, mais tarde, origem a uma das mais prestigiadas marcas de automóveis, a Mercedes-Benz. Sem dúvida, o carro não surgiu de repente e havia experimentos paralelos ao de Benz na época. Mas sua dedicação de anos à meta que fora traçada provou-se totalmente válida. A afinidade pelo movimento era herança do pai de Benz, Johann, que trabalhava como maquinista de trens, mas morreu quando o filho tinha apenas dois anos de idade. Foi na indústria ferroviária que o criador do automóvel começou sua carreira. Mas quem verdadeiramente acreditou no sonho de Benz e mais incentivou o jovem inventor foi sua mãe, Josephine, que economizou para mandá-lo à faculdade politécnica. Lá ele estudou matemática e engenharia de motores a vapor. Saído da faculdade, Benz arrumou empregos que lhe serviram de treinamento, mas não o entusiasmavam. Em seguida, ele abriu sua própria oficina de maquinários com um sócio, mas ela viria a falir. Por ironia, o fracasso serviu como estímulo para o engenheiro ir em busca de seu maior sonho. O veículo precisava ter um motor pequeno, como o de quatro tempos que Nikolaus Otto desenvolvera e patenteara. Para não infringir a leis que protegiam o registro de Otto, Benz se concentrou num motor a dois tempos movido a vapor e, na véspera do Ano Novo de 1879, conseguiu finalizar seu primeiro protótipo.
Assim, depois de algumas outras dificuldades financeiras, o engenheiro conseguiu atrair parcerias para fazer o projeto chegar ao mercado. Em 1883 ele e dois sócios fundavam a Benz & Company, para produzir máquinas industriais. Benz aguardou até a patente de Otto expirar para experimentar motores de quatro tempos. O resultado dessa teimosia foi concluído dois anos mais tarde: um diminuto propulsor de um único cilindro. O motor de Benz já incluía três grandes inovações que até hoje são empregadas nos carros. A bateria elétrica, a vela e a bobina de ignição foram primordiais ao sucesso do invento, embora não tenham surgido todas juntas de uma vez. Por exemplo, um gerador vinha acoplado à bobina nas primeiras ignições desenvolvidas pelo alemão. Mas como na década de 1880 eles não eram resistentes o bastante, Benz passou a usar uma bateria elétrica. Como antes, a bobina provia a voltagem ao nível necessário para gerar a faísca que ligaria o motor. A vela era composta de dois fios de platina isolados, introduzidos na câmara de combustão. Em contrapartida, a alimentação era bastante prosaica — nada de carburadores. O combustível escoava para um recipiente cheio de fibras têxteis de onde os vapores eram levados para dentro do cilindro. A força motriz do motor era transferida por duas correntes que lembravam as de uma bicicleta, ligadas com discos dentados às rodas traseiras. Benz tampouco conseguiu produzir um sistema de direção satisfatório que esterçasse duas rodas, o que o levou a criar um veículo de três rodas apenas. Em vez de um volante, ele adotou uma alavanca de leme.
O conjunto mecânico era montado num chassi de tubos de aço. As enormes rodas traseiras, semelhantes às de carroças, vinham equipadas com diferencial, pneus de borracha não pneumáticos (sem ar em seu interior) e suspensão de molas elíticas. Entre as duas rodas posteriores ficava o motor. Para auxiliar na distribuição de peso, Benz colocou no carro um enorme pêndulo horizontal. Por mais rústico que o Patent-Motorwagen pareça hoje, ele foi o primeiro automóvel desenvolvido como tal, em vez de ser uma mera carroça motorizada. Ainda em 1885, Benz realizou o primeiro teste do seu invento. Sem conseguir controlar o carro, ele colidiu com a parede de sua garagem em Mannheim, na Alemanha. Não obstante, em 29 de janeiro de 1886 Benz patenteava sua idéia, o que explica o nome do veículo, algo como "veículo a motor para patente". O registro da patente levou o código DRP-37435, a do automóvel movido por gasolina. Gottlieb Daimler, outro engenheiro alemão, estava desenvolvendo projeto semelhante, mas a primazia foi mesmo de Karl Benz. Ainda assim, só no terceiro trimestre daquele ano ele conseguiria testar o Patent-Motorwagen com êxito.
O primeiro automóvel do mundo mais parecia uma charrete amparada por uma roda de bicicleta menor, na frente, e por duas rodas equivalentes de aro bem maior, atrás. Como não havia sofisticação alguma no que diz respeito ao conforto e desenho do veículo, o destaque ficava mesmo com sua mecânica. O propulsor de 954 cm³ tinha 116 mm de diâmetro por 160 mm de curso. A potência era praticamente simbólica: 0,9 cv a 400 rpm. Só dava certo porque se tratava de um veículo experimental, no contexto de uma época muito diferente e porque ele pesava meros 265 kg. Com isso o Patent-Motorwagen atingia 16 km/h. Já em 1887 Benz concluiu uma versão com várias modificações, antes de apresentar uma terceira unidade retrabalhada com motor de 1,6 litro, potência de 3 cv e rodas de madeira. Este seria o primeiro automóvel efetivamente comercializado no mundo, o que se deu no terceiro trimestre de 1888. O segundo proprietário seria o parisiense Emile Roger, que já produzia motores Benz sob licença na França havia alguns anos. Ele passou a fabricar também os triciclos motorizados do alemão. Após uma apresentação grandiosa na Feira Mundial de Paris em 1889, ele faria boa parte das 25 unidades do modelo fabricadas até 1893. Os primeiros anos do automóvel não pareciam mesmo muito promissores. Para começar, a gasolina era vendida apenas em farmácias, como produto de limpeza e em quantidades limitadas. Com a baixa potência, em subidas era preciso empurrar o Benz. Para ajudar a desmistificar a dificuldade de conduzir o carro, Bertha Benz, esposa e grande incentivadora de Karl, levou os filhos Eugen e Richard para visitar a avó na manhã de 5 de agosto de 1888 — a bordo do automóvel criado pelo marido, claro, e sem que ele soubesse. Foi certamente a primeira mulher ao volante de um carro.
Vencendo as dificuldades esperadas e outros problemas técnicos imprevistos, ela terminou o trajeto de 106 quilômetros ao cair da noite, comunicou seu feito a Karl por telegrama e mais tarde ainda sugeriu a inclusão de mais uma marcha, que foi de fato adotada nas últimas unidades da série. A empreitada de Bertha ganhou espaço nos jornais e os compradores potenciais começaram a surgir em números cada vez mais expressivos. Viriam outros modelos da marca, que buscavam tornar o automóvel mais popular, como o Victoria de 1893 e o Velo 1894. Em 1926 a Benz e a empresa fundada por Daimler se associariam e passariam a batizar seus carros de Mercedes-Benz, marca que se tornaria uma das mais prestigiadas da história do automóvel. Mas isso só viria coroar a iniciativa, a persistência e a ousadia de Karl Benz. A maior obra desse engenheiro foi o automóvel. Com ele, Benz realizou seu sonho de criar a máquina que se movia sem trilhos, uma revolução social, econômica e cultural que até hoje inspira liberdade, paixões e novos sonhos. De qualquer forma, no universo do automóvel, tudo que veio depois do Benz Patent-Motorwagen é história